sábado, 27 de março de 2010

UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES



Era outubro de 2008 e eu acompanhava interessado uma exposição fotográfica na Pinacoteca do Estado, quando me deparei com uma citação decalcada na parede. Foi algo impactante e, pensei comigo: deve ter muito mais disso nesse livro de nome curioso...

Dois anos depois venho a ter a oportunidade de lê-lo por completo nesta reedição da obra de Clarice Lispector encampada pela Rocco. Uma aprendizagem é diferente dos outros livros da autora que já conhecia, Laços de Família e A Hora da Estrela. Mais contemplativo, talvez.

A descrição de sentimentos é para poucos, e Clarice o sabe. Mais que isso: ao ler e falar de amor, ela sugere todo um vínculo com o leitor. Assim como no amor (o Bom Amor), o fundamental não é dito. O acesso a ele é uma decisão deliberada, consentida, despojada de medo – e por isso franca, meditativa. Ao contar esta história de amor, Clarice oferece a oportunidade de entrar em contato vivo com esse universo ficcional ancorado em nossas mais profundas questões. Ler suas 159 páginas foram de fato um grande aprendizado.
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“Sentia que a vida lhe fugia de novo entre os dedos. Na sua humildade esquecia que ela mesma era fonte de vida e de criação.”
(UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES, Pg. 83)

“- Nunca falei tanto, disse Lóri.
- Comigo você falará a sua alma toda, mesmo em silêncio. Eu falarei um dia minha alma toda, e nós não nos esgotaremos porque a alma é infinita. E além disso temos dois corpos que nos será um prazer alegre, mudo, profundo.”
(IDEM, Pgs. 91-92)

“(...) faço poesia não porque seja poeta mas para exercitar minha alma, é o exercício mais profundo do homem.”
(IDEM, Pg. 93)

“Mas já existem demais os que estão cansados. Minha alegria é áspera e eficaz, e não se compraz em si mesma, é revolucionária. Todas as pessoas poderiam ter essa alegria mas estão ocupadas demais em ser cordeiros de deuses.”
(IDEM, Pg. 96)

“Achava agora que a capacidade de sofrer era a medida de grandeza de uma pessoa e salvava a vida interior dessa pessoa.”
(IDEM, Pg. 140)

“Foi nesse estado sonho-vislumbre que ela sonhou vendo que a fruta do mundo era dela. Ou se não era, que acabara de tocá-la. Era uma fruta enorme, escarlate e pesada que ficava suspensa no espaço escuro, brilhando de uma quase luz de ouro. E que no ar mesmo ela encostava a boca na fruta e conseguia mordê-la, deixando-a no entanto inteira, tremeluzindo no espaço. Pois assim era com Ulisses: eles se haviam possuído além do que parecia ser possível e permitido, e no entanto ele e ela estavam inteiros. A fruta estava inteira, sim, embora dentro da boca sentisse como coisa viva a comida da terra. Era terra santa, porque era a única em que um ser humano podia ao amar dizer: eu sou tua e tu és meu, e nós é um.”
(IDEM, Pg. 153)