segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O IDIOTA




Estou relendo O Idiota. É sempre agradável o retorno a uma obra: a percepção de elementos que passaram batido numa primeira leitura, ou a releitura de um trecho marcante após nossa própria transformação pessoal provocam isso. E com Dostoiévski isso sempre acontece. Graças a um amigo, o Gilson, fui levado à imensidão da literatura russa, tão intensa, extensa e diversa quanto a própria Rússia.

O que mais me chama a atenção com relação a Dostoiévski é a sobriedade com que articula as palavras para descrever coisas, lugares e, especialmente, a alma humana. A edição que estou lendo é a da Ed.34, com tradução de Paulo Bezerra. Sem dúvida que Dostoiévski retornará no futuro ao Cor et Caput.

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"O dono da capa com capuz era um jovem também de uns vinte e seis ou vinte e sete anos, estatura um pouco acima da mediana, muito louro, de cabelos bastos, faces cavadas e uma barbicga maciazinha, eriçadinha, quase inteiramente clara. Os olhos eram graúdos, azuis e perscrutadores; tinha no olhar algo de sereno mas pesado, algo cheio daquela expressão estranha pela qual alguns percebem epilepsia no indivíduo à primeira vista. por outro lado, o jovem tinha o rosto agradável, delicado e seco porém insípido, e agora chegando até a azul de frio. Balançava em suas mãos uma trouxinha de fular velho e desbotado, que, parece, era toda a sua bagagem. Calçava uns sapatos de sola grossa com polainas, tudo de feitio russo. O vizinho de cabelos negros e sobrecasaca forrada observou tudo isso, em parte por falta do que fazer, e por dim perguntou com aquele risinho indelicado no qual às vezes se manifesta com tanta semcerimônia e desdém a satisfação humana diante dos fracassos do próximo:
- Está frio?"

(O IDIOTA, pg, 22)

" - O senhor fez alguma coisa para deixá-lo zangado? - perguntou o príncipe, examinando com uma curiosidade especial o milionário de sobrecasaca. No entanto, mesmo que pudesse haver algo digno de nota no milhão propriamente dito e no recebimento da herança, mais uma outra coisa deixou o príncipe admirado e interessado; demais, por algum motivo o próprio Rogójin tomou o príncipe por seu interlocutor, embora, ao que parece, sua necesidade de interlocução fosse mais mecânica que moral; de um certo modo, mais por distração que por candura; por inquietação, por nervosismo, apenas com o fito de olhar para alguém e soltar a língua a respeito de alguma coisa. Parecia que ele continuava quente, pelo menos com febre. Quanto ao funcionário, este se pendurou em Rogójin, não se atrevia a suspirar, captava e pesava cada palavra como se procurasse um brilhante."

(O IDIOTA, Pg. 28)

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